As eleições no Brasil e a prioridade de obstruir a ascensão da ultra-direita
As eleições no Brasil serão realizadas em dois dias. Não há mais o que dizer para corrigir nada.
Não sei quem lerá o que aqui escrevo, já que pelo algorítimo do Facebook, pelo fato de que eu deletei 90% dos meus contatos, meus posts não aparecem nas timelines de quem ficou.
Gostaria de levantar alguns pontos e aí temo que só volto aqui dia 8 por dois motivos: 1. tenho um prazo para entrega de manuscrito dia 7. 2. parte do debate não só já está infrutífera como tem me feito mal, pessoalmente.
1. Eu vivo nos Estados Unidos, em Oklahoma City. A desvantagem da minha localização é que eu não sinto o clima e percepção pública com sinais não verbais. Não sei se faria tanta diferença: eu não sou sociável, meu trabalho é digital e evito sair das minhas rotinas. A vantagem é que eu sei muito bem o que se passa aqui nos Estados Unidos, onde eu faço parte da #Resistance, estudo profundamente todas as grandes questões, jamais emito “opiniões” sem ter fontes seguras e dou trabalho voluntário em organizações de saúde de imigrantes, direitos civis e o partido Democrata.
2. Penso estar vendo nas atuais eleições presidenciais brasileiras algo que presenciei nas eleições presidenciais de 2016 dos Estados Unidos, ainda que os dois países sejam incomparáveis em mais aspectos do que comparáveis. O motivo pelo qual comparo é a leitura do conteúdo jornalístico da coleção que aqui compartilho. Há algo na ascensão da ultra-direita por toda parte: falhas das admiistrações qualificadas (contra minha vontade, pois honestamente acredito que a classificação em D X E já caducou, tendo servido por mais de 200 anos) como centro-esquerda e esquerda anteriores seguidas por falhas em fazer qualquer tentativa de auto-crítica e remediar o erro. Foi assim aqui, na Europa e estou vendo esse filme velho reprisando aí no Brasil. Perigo. Trump capitalizou o ressentimento da “classe trabalhadora branca” (blue collar), se beneficiou da divisão provocada pela candidatura Bernie e, claro, da interferência de alta competência e eficiência da Russia neo-tudo.
3. Creio que o Prof. Luiz Eduardo Soares procurou, com um longo e bem elaborado texto, sugerir essa rota. Afirmou apoiar a candidatura Haddad mesmo sendo uma das vozes críticas do passado. Também afirmou que muitos de seus colegas compartilhavam suas críticas, mas entendiam que hoje o apoio ao Haddad era uma necessidade. O texto é menos “voto útil” do que eu pareço sugerir. Luiz Eduardo aponta pontos positivos na candidatura de Haddad bem como de outros candidatos. Meu foco aqui é que é evidente, pelo texto, que erros sérios foram cometidos e foi uma decisão dele e de outros relevar os erros em troca do benefício.
4. “Eu sou você amanhã”. De certa forma, vivemos hoje nos Estados Unidos uma democracia esquisitíssima que convive com traços não apenas de autoritarismo, mas assinaturas totalitárias. A mais evidente é o tratamento dos refugiados (pessoas que se apresentaram às portas de entrada solicitando asilo):
- prisão dos adultos
- separação das famílias, recolhendo as crianças em campos de concentração, deliberadamente não marcadas com códigos de identificação
- tortura de crianças em campos de concentração: castigo físico, câmaras frias, terror psicológico, abuso sexual e administração forçada de anti-psicóticos (olanzapina e quetiapina). Como eu sei: porque eu atuo com os pediatras e advogados que conseguiram, através de liminares, ter acesso e supervisionar os campos de concentração (mais de 12K crianças)
- entrega de crianças a grupos de tráfico humano, sob a alegação de que estes se apresentaram como legítimas “foster families”. Como em qualquer regime totalitário, prestar contas de atos governamentais não está no menu.
Outros sinais são relativos ao populismo racista desenfreado, que parece ter aberto o portão do inferno do ódio. Crimes racistas são cometidos diariamente sob registro de vídeo. Sim, sempre ocorreram, mas agora, nas palavras de alguns analistas, os racistas estão empoderados por terem um espelho na presidência da república. Há um dito aqui segundo o qual Trump ilustrou o fato de que não é necessário ser pobre para ser “white trash”.
Me angustia ver o Brasil nessa rota. O discurso sarcástico de ódio da campanha de Bolsonaro me sugere que a comparação é pertinente.
5. A campanha dos Midterms mais eficiente e bem conduzida aqui, na perspectiva de todos, é a de Beto O’Rourke para o Senado no Texas. Uma das marcas da campanha é não se deixar arrastar para dentro de uma controvérsia cheia de retórica e emoção. Beto mostrou empatia sem populismo. Digo isso porque populismo é não só horrível do ponto de vista argumentativo, porém um risco imenso à democracia. Esteriliza a autonomia e o pensamento crítico. Governos autoritários populistas são instáveis e um pipoco pode jogá-lo para o campo totalitário. Ideologia totalitária não falta.
6. Sem perder de vista que a prioridade é conter a ascensão da ultra-direita a todo custo, o Brasil não está seguro. Ou seja: não importa qual seja seu candidato, a ideia é tampar o nariz e votar em quem tiver chances de vencer Bolsonaro. Por outro lado, o PT e esquerdas mais à esquerda causaram tanto dano a tanta gente que sem vir à público, admitir que a cegueira da arrogância fez com que nem se pensasse em criar obstáculos para os erros, existe risco. Os danos vão desde grandes danos sociais, uma espécie de zombaria generalizada (“agora que estamos no poder, fazemos o que quisermos”), a dor e impotência de grandes segmentos ao perceber que o grupo no poder pouco se importava com seus seríssimos problemas (cuidado: populações predominantemente indígenas no Norte não estão se posicionando no que seria sua opção óbvia por terem sido negligenciados), até danos pessoais a indivíduos e profissionais que chegaram perto demais destes grupos políticos e se machucaram. Se a esquerda ou centro-esquerda vencerem estas eleições no Brasil, será apesar dos erros. E se isso acontecer, é preciso aprender com os erros do passado e governar um país, e não um pedaço do país ou, pior, governar para sua base.
7. Vejo o que às vezes vejo aqui também: “preaching to the choir”, ou seja, fazer uma campanha com uma linguagem tão sectária que basicamente se está falando para a própria base. Cuidado: o Brasil não é o estereotipado trabalhador nordestino comendo um prato feito, cuspindo e gritando sobre os ricos malvados. O Brasil tem gaúcho, paulista do interior, mineiro, Paraense, Paranaense, etc. Os sotaques são inteiramente diferentes. Excluir todos, exceto aqueles que se parecem com Lula, é um grave perigo. Que o judiciário no Brasil se politizou e se deformou de maneira assustadora, a maior parte de nós concorda. Que ações de legalidade questionável ou sem legalidade tenham sido tomadas, também. Mas é isso que tem que ser dito, e não criar um Perón brasileiro na figura de Lula. Idolatrar e desumanizar Lula é o caminho escuro e perigoso do populismo. Pessoalizá-lo, dar a ele a voz de um sujeito encarnado, que tem história pessoal, dor, alegria, acertos e erros, ganha pontos, e não o contrário.
8. Se eu estivesse no Brasil, possivelmente votaria no Haddad. Gosto do moço (que tem quase minha idade, então não tão moço), acho que tem boa formação, parece ter tido mais acertos do que erros na administração paulistana, tem método para pensar criticamente e costuma ser mais sóbrio ao se manifestar. Mas poderia votar no Alkmin ou no Ciro. Não importa. Eu sou uma das pessoas que foi tão danificada por setores da ultra-esquerda (misturadas ao entorno petista) que me retiro temporariamente daqui porque alguns dos vídeos ultra-sectários jogam gente como eu num lugar muito escuro. Ainda assim, é meu (e seu) dever cívico obstruir a ascensão da ultra-direita. No Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e no mundo. Se o demônio (em quem não acredito por ser ateísta) fosse a alternativa a Bolsonaro, que votemos no demônio. Não pelo Brasil apenas, mas pelo futuro da Civilização e da humanidade.
Uma coisa que aprendi como expat e cidadã de lugar nenhum é parar de olhar para meu próprio umbigo e fazer o que tiver que ser feito.
Boa sorte ao país onde eu tentei muito e falhei, eu acho, mais do que acertei. Não importa agora. Boa sorte ao Brasil e que não seja mais um na lista das nações sobre as quais a sombra do autoritarismo e das ideologias totalitárias de ódio paira, como uma tsunami congelada. Uma hora ela cai.